"Durante os bailes, sabiam roçar-se com a parte certa do corpo, ao roçarem-se, olhavam o homem nos olhos com a expressão intensa de jovens corças. É assim a malícia feminina, são estes os mimos que fazem ter êxito com os homens. Mas eu, sabes, era uma simplória, não percebia absolutamente nada do que se passava à minha volta. Mesmo que te possa parecer estranho, havia em mim um profundo sentimento de lealdade e essa lealdade dizia-me que nunca, mas nunca, poderia enganar um homem. Pensava que um dia havia de encontrar um rapaz com quem pudesse falar até altas horas da noite, sem nunca me cansar; falando e falando chegaríamos à conclusão de que víamos as coisas da mesma maneira, que sentíamos o mesmo. Então nasceria o amor, seria um amor baseado na amizade, na estima, não na facilidade da relação amorosa.
Queria uma amizade amorosa e nisso era muito viril, viril no sentido antigo. Acho que o que aterrorizava os meus apaixonados era a relação paritária. Por isso, lentamente, fiquei reduzida ao papel que costuma caber às feias. Tinha muitos amigos, mas eram amizades em sentido único; vinham ter comigo só para me confessarem os seus desgostos de amor. Uma após outra, as minhas colegas iam casando. A certa altura da minha vida, parece-me que não fiz mais nada do que ir a casamentos. Às raparigas da minha idade iam nascendo filhos e eu era sempre a tia casadoira, vivia em casa dos meus pais, já quase resignada a ficar solteira para sempre. "Mas o que é que tu tens na cabeça", dizia a minha mãe, "será possível que fulano não te agrade, ou sicrano?" Para eles, era evidente que as minhas dificuldades com o outro sexo provinham da extravagância do meu carácter. Desagradava-me? Não sei.
Em suma, a minha vida, comparada com a de outras mulheres, era livre, e eu tinha muito medo de perder essa liberdade. No entanto, com o passar do tempo, sentia que essa liberdade, toda essa aparente felicidade, era cada vez mais falsa, mais forçada. A solidão, que no inicio me parecera um privilégio, começava a pesar-me."
In Vai Aonde Te Leva o Coração de Sussana Tamaro

Comentários

Cynthia Brito disse…
liiindo *--*
estou s eguir-te. bjjj ;**
Sabina Silva disse…
Gostei imenso :)
Camila. disse…
Impressionante como este texto me cabe. Ótimo.,

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