[...], enamoramento, [...]

“Aquilo que caracteriza o verdadeiro enamoramento é a sua capacidade de fundir cada vez mais profundamente dois indivíduos distintos. Por isso, a experiência do fascínio, (paixão fulminante) não se sente apenas uma vez no inicio. O enamorado permanece muitas vezes como que encantando diante da sua amada. Descobre nela coisas que nunca tinha visto antes e sente-se extasiado. E surpreende-o que aquela criatura estupenda lhe corresponda, o ame. E isto continua a ser assim decorridos meses, anos. Décadas, no caso do grande amor. Podemos, assim, dizer que o verdadeiro enamoramento se caracteriza por uma descoberta contínua de aspectos novos e surpreendentes na mesma pessoa. Uma sucessão de “paixões fulminantes”.”



Alguns exemplos de patologias dos pares amorosos:
“Há sujeitos que querem viver apenas o presente, sem preocupações, sem exigências. Não querem recordar o passado, não querem saber nada um do outro, se pudessem nem sequer diriam o seu nome. Acontece na adolescência, ou em férias, ou em viagem, ou durante breves permanências no estrangeiro. Mas existem também indivíduos que querem conservar a própria liberdade e não desejam estabelecer laços duradouros. Em todos estes casos, não é despoletado o processo de conhecimento recíproco, que ocorre apenas quando se pretende ver o mundo através dos olhos do outro, nem o processo de confronto, que permite abandonar as facetas de si próprio incompatíveis com o avanço da relação amorosa […] Por isso, decorrido um certo período de tempo, finda a fase de total embriaguez erótica, os dois indivíduos descobrem entre si diferenças incompatíveis e o enamoramento acaba em dispostas e recriminações.

Uma […](“outra”) e frequente causa da patologia do par amoroso deriva do facto de os dois enamorados preferirem não acreditar que os seus projectos de vida são verdadeiramente incompatíveis. Não querem acreditar que as dificuldades que encontram sejam um “beco sem saída”, um valor ou um sonho ao qual nenhum dos dois está disposto a renunciar. Ela quer ser actriz, ele quer que ela fique em casa. Ele quer filhos, muitos filhos, ela ambiciona uma carreira. […] Mas o amor é forte, empolgante, cada um quer realizar o seu próprio objectivo mas, para não estragar o amor, não fala nisso. Adia o problema, espera que o outro mude de ideias, diz a si próprio que as coisas se ajustarão. Neste caso, o casal cresce com uma divergência que não se manifesta. Na realidade, age de modo sub-reptício e, a certa altura, explode inevitavelmente.”



“Existe uma diferença fundamental entre uma atracção erótica, ainda que intensíssima, e o mais tímido assomo de enamoramento. Duas pessoas podem lançar-se nos braços uma da outra, frementes de desejo, fazer amor, procurar-se apaixonadamente, mas, se não foi despoletado o processo de enamoramento, nenhuma delas sente a necessidade lancinante de conhecer a vida da outra. Na atracção puramente erótica ficamos satisfeitos com a presença, completamo-nos ambos no presente, na antecipação do próximo encontro. Pelo contrário, depois da fase inicial do processo de enamoramento sentimos necessidade de saber mais coisas sobre a pessoa que nos prendeu e que não nos sai da cabeça. Quem é realmente? O que estará a fazer neste momento, como passa os seus dias, o que fez no passado? Já não conseguimos conter-nos apenas com o presente. Somos inexoravelmente levados a procurar no seu e no nosso passado o segredo do nosso possível futuro.”


“De Rougemont defende que os enamorados desejam arder de paixão e que os obstáculos postos no seu caminho servem exactamente para isso. De facto, está convencido de que a paixão é, pela sua própria natureza, efémera e está destinada a esvair-se num instante. “ O ardor amoroso espontâneo, não contrariado, é, pela sua essência, pouco durável: uma chama que não pode sobreviver àquele calor que tudo consome. Mas a sua queimadura é inesquecível e é ela que os amantes querem prolongar até ao infinito” Ibidem. Por isso se separam, por isso inventam novos obstáculos, para poderem arder de paixão. Porque a paixão alimenta-se não da presença, mas da ausência.”

“ O obstáculo alimenta a paixão”

“A paixão pelo afastamento é, por seu turno, um amor que se alimenta do obstáculo.
E existem pessoas que conseguem suscitá-lo de um modo intensíssimo.”




“A verdadeira dor, o verdadeiro desespero do estado amoroso é perder irremediavelmente o próprio amor. É isso que sente o enamorado infeliz, o enamorado rejeitado. É lançado num lugar onde já não há nada que valha a pena desejar. Onde só existe dor e desespero, “lágrimas e ranger de dentes”, o inferno. E isto explica as suas reacções. A primeira coisa que quer é esquecer o que viveu, voltar a ser como antes de conhecer a pessoa de quem se enamorou, conseguir voltar a estar contente com o mundo em que vivia. Mas é impossível. Quem viu a divindade não consegue esquecê-la, não consegue deixar de desejá-la. Procura então parar tudo, dormir. Mas, quando desperta, encontra-se num lugar de desespero, […]. Quer então […]: a morte como não sentir, não pensar, a morte como anulação de si próprio.



“O enamoramento surge quando estamos transformados interiormente, imunes ao sofrimento do passado, obscuramente insatisfeitos com o presente e abertos a novas experiências. Mas nunca mudamos sozinhos. Mudamos apenas quando nos unimos aos outros, quando passamos a fazer parte de um grupo ou caminhamos na vida juntamente com uma pessoa que amamos. É isto que nos oferece o enamoramento.”


Excertos de:
“O Mistério do Enamoramento” de Alberoni, Francesco ; Edição: 2003 Editora: Bertrand Editora, Lda.

Comentários

Luz disse…
Recordo quando um professor nos tempos de colégio, estava no 10.º ano numa aula falou neste livro, adquiri-o e, já o li mais que uma vez, Alberoni tem razão na análise que faz. Devíamos reflectir mais sobre o assunto talvez se evitassem certas situações e se compreendesse melhor o "outro".
Mais uma boa escolha :)
ana disse…
também o acho:) Não há nada como saber quando, realmente, é enamoramento, afim de evitar, que muito é, o sofrimento. ..
dragoon fly disse…
A verdadeira dor, o verdadeiro desespero do estado amoroso é perder irremediavelmente o próprio amor...são estas as palavras que a minha alma me mostra no espelho, eu não as conseguia verbalizar.

obrigada Ana

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